À primeira vista, é a cena esperada de um Carnaval de rua: marchinhas, foliões fantasiados, alguns com instrumentos na mão e outros, com latinhas de cerveja. Mas, olhando mais de perto, um grupo destoa em meio ao bloco. São jovens de diferentes religiões que aproveitam a festa para tentar convencer novos fiéis a se juntarem a suas igrejas.
“Durante o Carnaval, onde tiver um aglomerado grande de pessoas, nós vamos. Tentamos mostrar para elas como seria sua vida com Cristo”, explica o evangélico Thiago Hernandes, de 27 anos, do grupo Jocum (Jovens com uma Missão).
“A abordagem varia de pessoa para pessoa, mas às vezes dizemos diretamente: ‘Aqui não é lugar para você’. Encontramos muitos desavisados durante o Carnaval.”
Thiago conta que, para atrair as pessoas durante a festa, eles distribuem água e fazem pequenos shows de arte, com teatro, dança, malabares ou pirofagia. Este ano, ele e outros missionários estão promovendo o chamado “impacto evangelista de Carnaval” na Baixada Santista. Sedes do grupo em outras partes do país estão fazendo o mesmo – inclusive em Ouro Preto, destino em Minas Gerais altamente popular entre os jovens no Carnaval.
Felicidade de fachada’
Mesmo no fim de semana anterior ao Carnaval, fiéis ligados a igrejas evangélicas se misturaram em blocos carnavalescos para disseminar suas crenças. No bairro da Pompeia, zona oeste de São Paulo, jovens da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) distribuíam aos foliões o jornalzinho Hora da Mudança.
Algumas das reportagens tinham títulos como: “Folia para esconder as tristezas”, “Musa do Carnaval tinha vida de aparência” e “Ex-líder de banda fala sobre sua felicidade de fachada durante o Carnaval”.
“A proposta do encarte Hora da Mudança é evangelizar por intermédio dos depoimentos nele descritos”, afirma a assessoria da IURD. “Ele sempre traz relatos de pessoas que tentaram preencher lacunas em suas vidas de diversas formas, mas que só se viram supridas na fé no Senhor Jesus.”
Para o professor Leonildo Silveira Campos, autor do livro Teatro, Templo e Mercado, sobre a igreja Reino de Deus, essas ações no Carnaval vêm do fato de que os neopentecostais (caso da IURD e da Renascer em Cristo) abandonarem padrões mais rígidos do pentecostalismo tradicional, em que não é permitido dançar, por exemplo.
“É uma pentecostal mais light, e daí surge essa possibilidade de invadir os espaços ditos profanos com mais desenvoltura que outros grupos religiosos”, afirma o professor. “Um pentecostal tradicional não entraria em um bar, nem que fosse só para pedir um guaraná.”
Sem promiscuidade
No Rio, grupos religiosos já têm tradição em montar seus próprios blocos carnavalescos. Além dos evangélicos como o Mocidade Dependente de Deus, criado há mais de 20 anos, há também os formados por católicos.
Um dos maiores atualmente é o Folia com Cristo, que começou a sair às ruas cariocas há seis anos e, de acordo com os organizadores, chegou a reunir mais de 30 mil pessoas em suas últimas edições.
“Tivemos essa ideia para mostrar que é, sim, possível usar o Carnaval para se divertir sem denegrir a própria imagem e sem cair na promiscuidade”, explica o microempresário católico Thomaz Pogile, de 21 anos, um dos idealizadores do evento, ligado à Arquidiocese de São Sebastião.
“Temos um trio elétrico de última geração, com cantores católicos de samba e de axé. Muitas vezes, cantamos músicas da Ivete Sangalo e da Cláudia Leitte mas com letras religiosas.”
Thomaz admite que o evento não é visto com bons olhos por setores mais tradicionais da igreja. Segundo ele, o Folia com Cristo foi muito criticado, especialmente nas primeiras edições. “Mas aos poucos, todos estão percebendo que, além de ser uma forma de evangelizar, é um evento muito família, frequentado inclusive por evangélicos, que vêm pela tranquilidade da festa.”
“Até os ambulantes que tentam vender cerveja percebem logo que não há espaço para eles ali.”
Baladas e cerimônias
Em vez de missionários ou blocos nas ruas, alguns grupos religiosos organizam retiros para seus fiéis. É o caso da igreja Renascer em Cristo, cuja fazenda em Mairinque (interior de São Paulo) é usada como acampamento nesse período. O site do evento explica que o evento é uma “alternativa para os jovens se divertirem e, ao mesmo tempo, serem ministrados pela Palavra de Deus no Carnaval”.
Mas Débora Nogueira, da Renascer, conta que o acampamento também é uma forma de conquistar novos fiéis, já que muitos levam amigos que não são da igreja para aproveitar as instalações do local e também para ouvir depoimentos e palestras de bispos.
“Eles (novos fiéis) são batizados lá e nas cerimônias, muitos se livram do vício, jogando fora, por exemplo, as drogas que usavam”, diz Débora. Segundo ela, as palestras religiosas são intercaladas com uma programação cultural intensa. “Além de piscinas e quadras, há baladas todas as noites, cada uma com um estilo musical diferente.”
Os limites da pregação religiosa
A situação é difícil: um colega de trabalho descobre uma doença grave ou perde um ente querido. A intenção é boa: o primeiro consolo que lhe vem à cabeça é de cunho religioso. Mas pode ser ofensivo “evangelizar” alguém neste contexto. E em outros contextos também.
Quem nunca ouviu que religião, política e futebol não se discutem? “Na verdade, esses assuntos não se condenam. Não tenho como julgar a escolha do outro, apenas me cabe respeitá-la”, redefine Janaína Depiné, coach em relacionamentos e especialista em etiqueta.
Para Janaína, os atritos ocorrem quando se desrespeita o direito do outro de pensar diferente ou se fica preso a uma interpretação literal de uma escritura. “Jesus pregava para leprosos e prostitutas. Por isso é estranho ver alguns pastores evangélicos condenando os homossexuais. Mesmo que o Antigo Testamento condene a prática do homossexualismo, a Bíblia também diz para respeitar todos”, pontua Janaína.
Junto ao respeito, há a questão da oportunidade. Por mais que se queira levar a palavra de Deus, Jeová, Ogum, Maomé, etc. a todos, existem hora e lugar certos para fazer isso.
“Usamos muito a expressão ‘a pessoa tal é uma pessoa de Deus’ porque não precisa pregar, as atitudes falam por si mesmas”, observa o padre Anísio Baldessin, autor do livro “Entre a Vida e a Morte: Medicina e Religião” (Editora Loyola). “É melhor atrair pelo exemplo do que pelo discurso, porque se o outro se sentir agredido jamais ficará interessado em conhecer mais sobre a sua religião”, concorda Janaina.
Intolerância ao pé da letra
No velório do próprio pai, o auxiliar judiciário Paulo Vinicius Mendes Ananias, 29, se sentiu agredido pelo comportamento de um irmão de sua antiga igreja. Ele tinha sido Testemunha de Jeová e, segundo as leis da igreja, os fiéis não podem mais manter contato com quem se afasta.
“No velório do meu pai, estávamos eu, minha mãe e a minha namorada. Chegou um irmão da igreja e cumprimentou todo mundo, menos eu. Apertou a mão da minha mãe, dos outros e passou direto por mim. Só tinha eu de filho lá na hora. E ele é um ancião, uma figura de autoridade da igreja. Eu me senti humilhado e mais triste do que já estava”, relembra Paulo.
Ele pontua que nem todos os religiosos agiram assim na ocasião. “Havia outras pessoas da igreja que me cumprimentaram, conversaram e tentaram me confortar. Mas foi justamente com aquele que não me cumprimentou que eu tive um relacionamento mais próximo, porque foi ele quem me passou os ensinamentos da religião quando eu era criança”, conta. “Hoje eu não vou mais a nenhuma igreja porque não acredito mais em nada.”
O que não fazer
Sugerir um momento de oração em local de trabalho ou de estudo pode ter a melhor das intenções, mas sair pela culatra e criar um clima de isolamento para quem não quer participar. Se uma única pessoa se sente constrangida ou desconfortável, é melhor respeitar e deixar a prática para outro momento.
Dar presentes de cunho religioso sem conhecer bem o outro também é arriscado. Se a pessoa não comunga da mesma fé, pode se ofender.
Convites para cultos também devem ter contexto adequado. Esteja pronto para ouvir um “não”. “O próprio Jesus Cristo sempre propôs: ‘se você quiser me seguir’, ‘se você quiser entrar no Reino dos Céus’…”, diz o padre Anísio.
Mas se uma pregação fora de hora ou de lugar ofender, não responda. Uma discussão não vai mudar a opinião do outro, nem torná-lo mais tolerante. Se isso acontecer, será por meio de um processo mais longo, não de um bate-boca.
Que deselegante!
A ex-primeira-dama Rosane Collor, em entrevista à edição de maio da revista “Marie Claire”, disse que a atual mulher do ex-marido, Caroline Medeiros, foi punida por Deus por ter lhe roubado Fernando Collor. Segundo Rosane, essa é a razão de uma das filhas gêmeas do ex-presidente com Caroline ter nascido com problemas de saúde.
Além de deselegante, a declaração não encontra respaldo no próprio pensamento religioso. “Deus não conserta um erro com outro erro. No Antigo Testamento, pensava-se que doença era um castigo. Mas no Cristianismo é inconcebível que os pais cometam um erro e que os filhos paguem por ele”, diz o padre Anísio.
Segundo Anísio, as dificuldades da vida serão as mesmas para os fiéis de qualquer religião – e para quem não tem nenhuma. “Ter ou não ter uma religião não livra da doença, do desemprego. E religião não é para resolver o problema de ninguém, mas sim para pôr Deus em contato com as pessoas”, conclui.
Fonte: BBC Brasil