O abuso de gestores em nomeação de cargos de confiança

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A Constituição Federal dispõe no seu artigo 37 que a Administração Pública, de quaisquer dos poderes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverá obedecer aos princípios da legalidade (o gestor só pode praticar o que estiver prescrito em lei), impessoalidade (não pode privilegiar pessoas, especialmente parentes e amigos, em detrimento de outras por opção pessoal), moralidade (não pode adotar atitudes que ferem a moralidade do exercício do cargo público) e eficiência (seus atos devem ser praticados de forma a produzir eficiência no atendimento ao público).

Além da observação desses princípios, a Constituição Federal impõe à Administração Pública desses poderes que os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros e estrangeiros, na forma estabelecida em lei (inciso I, do art. 37) e que a investidura em cargo e ou emprego público depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, também de acordo com o estabelecido em lei, ressalvando os casos de CARGOS EM COMISSÃO, que são de livre nomeação e exoneração do gestor (inciso II, do art. 37).

É no inciso V, do art. 37, da Constituição Federal que está o dispositivo que dá suporte a esse texto, porque estabelece que “as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.

Para melhor compreensão do assunto precisamos esclarecer o texto contido no inciso V, do art. 37, da CF/1988, que diz serem as FUNÇÕES DE CONFIANÇA, EXERCIDAS, enquanto os CARGOS EM COMISSÃO, PREENCHIDOS e que ambos (funções e cargos) DESTINAM-SE APENAS ÀS ATRIBUIÇÕES DE DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO.

Para Fernanda Marinela, na concorrida obra DIREITO ADMINISTRATIVO (7ª Edição, Niterói/RJ, Editora Impetus. 2013, pp. 629 e 630), A FUNÇÃO DE CONFIANÇA não pode ser confundida com O CARGO EM COMISSÃO que, apesar de também ser baseado na confiança e gozar das atribuições de direção, chefia e assessoramento, conta em sua formação não só com o conjunto de atribuições e responsabilidades, mas também com o lugar no quadro funcional da Administração, podendo, assim, ser ocupado por qualquer pessoa, independentemente de estar ou não na intimidade da estrutura estatal.
Significa dizer que os CARGOS EM COMISSÃO consistem naqueles que: 1- Não precisam de concurso público para ingressar nele; 2 – São destinados apenas a cargos de direção, chefia e assessoramento; 3 – Não possuem estabilidade (os ocupantes podem ser exonerados AD NUTUM (o termo é latim, e a expressão “ad nutum” corresponde a uma decisão que pode ser tomada pela autoridade competente, por seu simples arbítrio, sem necessidade de maiores formalidades administrativas); 4 – Não precisam ser titulares de cargos efetivos. Para quem é ocupante de cargo efetivo e nomeado para cargo em comissão ficará afastado das atribuições do cargo efetivo.

Exemplos: Secretários Municipais, Secretários de Estado, Ministros do Poder Executivo, Dirigentes de Autarquias etc. Ao serem exonerados, se forem integrantes do quadro de servidores de carreira, retornam ao cargo de origem e, caso contrário, simplesmente deixam a Administração.

Já as FUNÇÕES DE CONFIANÇA (também conhecidas por FUNÇÕES GRATIFICADAS) consistem naquelas que: 1 – possuem um acréscimo de atribuições (isto é, exercem as atribuições do cargo efetivo e as da função gratificada); 2. São ocupadas exclusivamente por quem é titular de cargo efetivo; 3 – São exclusivos para cargos de direção, chefia e assessoramento. Exemplos: Professor, titular de cargo efetivo (exerce as funções do cargo em sala-de-aula), nomeado para cargo de Diretor Escolar; Auxiliar Administrativo, titular de cargo efetivo (exerce as funções do cargo efetivo na administração), nomeado para cargo de Assessor da Secretaria de Administração, Chefe do Setor de Transportes, ou Diretor de Recursos Humanos. Ao serem exonerados, retornam aos seus respectivos cargos de origem, continuando como integrantes da Administração.

Com essas considerações podemos conhecer alguns dos abusos mais comuns cometidos pelos gestores públicos, não só no âmbito do Poder Executivo, mas, também e de modo extravagante, no Poder Legislativo. No Poder Legislativo, por exemplo, excepcionalmente no âmbito das Câmaras Municipais, esse abuso é mais frequente, porque, numa Câmara que é formada por 13 (treze) vereadores, há casos de nomeações de um ou mais assessores parlamentares para cada vereador (são cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração), enquanto a Administração da Câmara conta com metade ou menos da metade de servidores efetivos (admitidos por concurso) para os trabalhos regulares destinados à Administração da Casa.

Observe-se que o inciso V, do art. 37, da CF estabelece que as FUNÇÕES DE CONFIANÇA e os CARGOS EM COMISSÃO devem ser respectivamente, EXERCIDOS e PREENCHIDOS de acordo com “as condições e percentuais mínimos previstos em lei” e, portanto, não podem ser números ilimitados e nem irrazoáveis. E no exemplo das Câmaras, são números exorbitantes, que ultrapassam muito o limite da razoabilidade, mesmo porque, são cargos de assessorias dos vereadores, que não se formaram para ser titulares desses cargos, sendo o exercício de seus mandatos outorga popular e por isso mesmo necessitam de assessoria técnica e não apenas política.

Essas Assessorias Parlamentares deveriam ser preenchidas por concurso, para seleção de pessoal técnico capacitado e não para atender pedidos de amigos, correligionários e partidos, sobrepondo o interesse particular sobre o interesse público, numa inversão de valores de cunho imoral, ilegal e personalista. O mesmo deveria ser observado no âmbito do Poder Executivo, que permite a nomeação desses cargos, na maioria das vezes, de forma distorcida, a exemplo de nomeações para FUNÇÕES DE CONFIANÇA, que na verdade vão exercer cargos do interesse pessoal do gestor, como motorista, segurança, o que caracteriza não apenas desvio de função, mas, também, improbidade administrativa, porque essas funções podem ser típicas de CARGOS EFETIVOS e estão sendo dissimuladas.

Fabrício Mota, procurador-geral do Ministério Público de Contas (TCM de Goiás) e professor da Universidade Federal de Goiás, em artigo publicado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico, edição do dia 9 de julho de 2015, sob o título “Administração com muitos cargos de confiança não é confiável”, conclui o seu excelente texto sobre o assunto, com a seguinte exortação: “Que as instituições de controle – notadamente Ministério Público e Tribunais de Contas – possam questionar a constitucionalidade das leis que criam cargos em desacordo com a Constituição. O excesso e o desvirtuamento desses cargos são, além de uma ofensa à Constituição, uma agressão à República e ao povo que nela acredita”.

*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito Público, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba).