“Quero ser um símbolo nacional contra o racismo”, diz Patrícia Moreira

16883894

“Quero ser um símbolo nacional contra o racismo”, diz Patrícia Moreira Mauricio Tonetto/Agência RBS
Ainda sem planos profissionais e com receio de continuar vivendo no mesmo bairro, na zona norte da Capital, ela contou que precisa tomar remédios para dormir
Foto: Mauricio Tonetto / Agência RBS
A paixão de Patrícia Moreira da Silva pelo Grêmio está estampada na própria pele. Com uma tatuagem do time nas costas e cinco anos de idas ininterruptas ao Olímpico e à Arena, ela diz que o fanatismo a levou a cometer um ato impensado, que acabou com sua vida social. Flagrada chamando o goleiro do Santos Aranha de macaco em partida da Copa do Brasil no final de agosto, ela responderá processo por injúria racial, enquanto tenta mostrar ao país que agiu por impulso.

Patrícia deixou a casa — apedrejada e incendiada — e se refugiou com familiares. Ainda sem planos profissionais e com receio de continuar vivendo no mesmo bairro, na zona norte da Capital, ela contou que precisa tomar remédios para dormir:

— Me sinto uma prisioneira.

A gremista não vai assistir à partida desta quinta contra o mesmo Santos de Aranha em Porto Alegre, pelo Campeonato Brasileiro.

Casa de gremista de ato racista é incendiada em Porto Alegre
Aranha perdoa torcedora, mas diz que ela “vai ter que pagar”

No final da tarde da última terça-feira, ela conversou com Zero Hora durante uma hora e disse que pretende tornar-se um símbolo brasileiro contra o preconceito e espera ajudar o Grêmio em campanhas institucionais.

Patrícia negou ser racista, criticou a intolerância que vem sofrendo — principalmente nas redes sociais —, afirmou que desistiu de procurar o goleiro do Santos e relatou que é normal ouvir, na Arena, outros torcedores gritarem “macaco”.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Como você está se sentindo após o julgamento público que sofreu?
Triste e magoada. Perdi toda a minha vida social, não posso mais botar o nariz na rua. No dia do depoimento, quando fui entrar na delegacia, me senti uma assassina. Não pretendo ver o jogo (do Grêmio contra o Santos, na quinta). Torço para o Grêmio ganhar, levar os três pontinhos e para a gente entrar no G-4.

Você se considera racista?
Não. Eu sei que não sou racista. Dói. Já fiquei com um cara negro. Eu estava levando muito em conta o fanatismo pelo Grêmio, só que nunca fui de ofender. A torcida do Grêmio não é racista, não é.

Por que, então, você chamou o Aranha de macaco?
Tinha várias pessoas chamando também, para o goleiro perder a atenção e o Grêmio fazer um gol. No meu pensamento, foi isso. Mas não sei dos outros, na minha cabeça foi isso. As pessoas estavam gritando e eu peguei e gritei também. Fui no embalo da torcida, no calor do jogo.

É normal ouvir esse tipo de manifestação na torcida do Grêmio?
Sim.

Existe uma cultura que leva a isso na Arena?
Sim. É só colocar a câmera que dá para ver várias pessoas falando.

Você percebeu que tinha sido flagrada gritando macaco?
Não. Me dei conta no momento em que saí da Arena, porque meu telefone não pegava lá de jeito nenhum. O telefone começou a tocar sem parar, era meu irmão, meus amigos. Foram mensagens, telefonemas, contatos no Whatsapp. Senti pavor e fui atrás de um lugar para poder ficar, nem fui para casa. Fiquei com medo porque meu endereço, telefone, CPF e minhas contas bancárias foram divulgados.

Quando tu falaste macaco, alguém te repreendeu? Ou foi normal?
Normal.

Você concorda que a palavra macaco não deve mais ser dita no estádio?
Concordo, porque eu perdi minha vida por causa disso. Não tenho mais liberdade de andar na rua, de morar aonde eu morava. Quando eu vou poder frequentar uma festa de novo com meus amigos?

Tu estás arrependida? Do quê?
Sim. Detonei minha vida. Não saio mais, não tenho mais vida social, tomo remédios para dormir. Não sou a mais a mesma que eu era antes — alegre, brincalhona, sempre dando risada, todo dia tinha alguma coisa para fazer. Hoje me sinto uma prisioneira, não tenho mais casa, minhas coisas estão um pouco em cada lugar. Me arrependo por ter afetado eles (Aranha e a família), de fazê-los se sentir menores. De forma nenhuma quis ofender.

O que você acha de o Aranha não querer se encontrar contigo?
Respeito ele. Não quer, não quer. Não farei nada para ele querer me encontrar.

Você pretende voltar a frequentar a Arena?
Não sei. Nesse momento, não. Eu quero, não só dentro da Arena, mas em outros estádios, na vida social, ser um símbolo contra o racismo. Pretendo mudar essa imagem. Ser um exemplo que englobe todos os times, torcidas. Não vale a pena mesmo, tem que pensar antes de falar qualquer coisa. Olha o que aconteceu comigo? Minha vida está exposta. Só quero que me deixem viver. Deixem eu poder ir no Gasômetro tomar um chimarrão, ver o pôr-do-sol.

Como os teus amigos reagiram após o incidente na Arena?
Alguns me ajudaram, deram força, e outros pediram ‘Pati, tira minha foto do Instagram e do Face que estão me esculachando’. Uns me abandonaram, deixaram de ser meus amigos. Sinto que eles não são meus amigos de verdade.

E a tua família, o que disse?
Eu falei pouco com a minha mãe, ela está triste, mas está me apoiando, assim como meus irmãos, cunhados e sobrinhos. A coisa mais triste é ver minha sobrinha de três anos perguntar porque eu estou aparecendo na TV e ter de explicar de uma forma que ela entenda. No dia do depoimento na Polícia Civil, ela perguntou ‘porque a Pá está na casa da polícia?’

Há quanto tempo você frequenta a Geral do Grêmio?
Eu vou em estádio há cinco anos. Sempre curti a Geral por ser um setor mais barato, porque a Arena é cara, eu vou lá. Eu gosto de ficar próxima, por isso vou lá, no Setor Norte da Arena.

Como foram as ameaças que você recebeu?
Estupro, morte, desse jeito. Pelas redes sociais. Fiquei com medo de que fossem fazer alguma coisa comigo dentro de casa, foi um dos motivos de eu não ter voltado. E olha o que aconteceu….

Alguém te reconheceu na rua e te hostilizou?
Sim, mas ninguém falou diretamente. Um cutuca o outro, mas não falaram nada. Teve gente que chegou e disse ‘guria, estou contigo, estão fazendo uma sacanagem e te tirando para Cristo’. Me reconheceram dentro do aeroporto (Salgado Filho).

javascript:;